Wednesday, April 27, 2005

Sobre como o capitalismo corrompeu a minha infância

Quando eu era um pequeno projeto de gente, lá pelos meus 7, 8 anos, eu era apaixonado por coleções. Tudo que tivesse a possibilidade de ser colecionável, eu colecionava. Minha mãe ficava muito irritada inclusive, com tanta tranqueira acumulando em casa.

Certa vez, a Nestlé, representada pelos seus deliciosos (na época) chocolates Surpresa, apresentava a sua mais genial jogada de marketing: figurinhas colecionáveis de cachorros. Foi uma febre, todos tinham, e isso me incluía.

Isso foi na época em que minha alergia aos chocolates só era desenvolvida na terceira barra, diminuindo a minha desvantagem comparativa aos outros colecionadores. Minha taxa chocolates/dia era provavelmente igual a de uma criança somaliana perdida numa fábrica da Nestlé.

Enfim. Como meu avô possuía uma lanchonete em seu posto de gasolina, minhas férias eram baseadas naquelas figurinhas. Só que pegar coisas na lanchonete sem dar dinheiro ao meu avô e à Nestlé era considerada uma prática ilícita pelos meus pais e parentes adversos, forçando-me então a me dedicar à fina arte do crime.

Sim, eu era um meliante com 7 anos de idade. E você fazia o quê? Brincava com o seu Atari, né? Seu sem-infância.

Como as figurinhas e os chocolates eram considerados ilegais - já que não pagávamos por eles -, o valor agregado deles subia. Ao cair da noite, eu e os meus primos meliantes nos juntávamos em um quarto trancado (era para eu estar dormindo neste horário, por isso o quarto era trancado), e praticávamos o escambo de figurinhas. Além de ser meliante, ainda era um comerciante do mercado negro, veja você.

Tudo funcionava da seguinte forma: se eu tinha uma figurinha rara, meus primos faziam seus preços. Quem oferecesse a maior quantidade e a maior qualidade, levava. E tudo era praticado dentro das regras do GATT (era GATT na época). O único problema é que não havia para quem reclamar caso fossemos enganados, e era o que acontecia.

Meus primos mais velhos, com 15 a 18 anos na época, iludiam a gente (como algumas empresas costumam a fazer hoje em dia. Aliás, acabo de descobrir de onde saem os Gerentes Comerciais dessas empresas), fazendo trocas absurdas. E, quando percebíamos, já era tarde demais, pois eles eram muito mais fortes e desciam o cacete na gente.

E eu ficava triste com isso. Figurinhas raras sumiam nas mãos deles e minha coleção ficava incompleta. E colecionador que tem uma coleção incompleta fica muito, muito triste, acreditem.

O tempo foi passando e eu esqueci das minhas figurinhas. Me prendi a interesses maiores, como dinheiro e poder. Até que um belo dia, passando as férias na casa de um dos primos mais velhos, descobri uma das minhas figuras raras. Sim, uma daquelas que faltavam para eu completar minha coleção. Sendo maior e mais forte, recapturei a minha figurinha.

Sim! Havia, enfim, completado a minha tão estimada coleção! Finalmente!

Uma semana depois tinha perdido a figura e estava enchendo a cara em um bar.

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